Facebook e o exibicionismo digital - os smartphones e as redes sociais alteraram radicalmente os relacionamentos pessoais


p/ Christian Ingo Lenz Dunker

Em 1886 o psiquiatra alemão Richard Von Kraft-Ebbing incluiu o relato de 13 casos clínicos de exibicionismo em sua obra Psichopatia sexualis. São histórias tristes, como a de um oficial do exército que só conseguia obter satisfação sexual ao exibir seu pênis ereto em andanças pelo parque central da cidade, do professor que acordava de seus transes com as calças arriadas e o policial ao seu lado, ou ainda do assistente de barbeiro que passa a vida indo e voltando da prisão por expor seus órgãos genitais a crianças e adultos, e que por fim declarou: “Entendo meu crime, mas é como uma doença. Quando se apossa de mim não posso impedir tais atos. Às vezes, por bastante tempo fico livre destas inclinações.” Mas elas sempre voltam.

Do ponto de vista clínico, o exibicionista é um indivíduo para quem a satisfação sexual está necessariamente condicionada à presença do olhar do outro. Uma definição desse tipo é pouco plausível, porque uma relação que não considere esse olhar provavelmente será chamada de bestial ou inumana. No exibicionismo, assim como em seu par diagnóstico complementar, o voyeurismo, a tendência a olhar, geralmente com invasão do espaço íntimo do outro, torna-se um fim em si mesmo.

Nessa condição, o fato de olhar e ser olhado, que deveria fazer parte do processo que vai da sedução ao encontro sexual, substitui o contato íntimo com outra pessoa, que passa a ser secundário. É algo da ordem do “em vez de” e não “parte do caminho para”. Freud observou que todas as práticas de natureza perversa, seja pela substituição dos fins, seja pela modificação dos meios, seja pela qualidade ou pela quantidade, compõe a vida sexual de qualquer um, ainda que na forma de fantasias. Assim, o exibicionismo é uma montagem possível da pulsão cujo objeto é olhar, e o prazer é de ver e ser visto.

Não devemos confundir o exibicionismo, como modalidade de produção de prazer, com o narcisismo, que é uma espécie de equação intersubjetiva pela qual nos colocamos diante dos outros, consideramos onde devemos nos colocar, os traços que devemos reconhecer e a imagem que devo compor para ser visto ou reconhecido de maneira conforme meu desejo, o desejo do outro e os ideias que pré-determinam nosso laço social.

Como se vê, o narcisismo não é uma relação entre dois indivíduos, mas sim de um ser apaixonado por sua imagem, como se depreende do mito grego compilado pelo poeta romano Ovídio. Se observarmos mais de perto, veremos que Narciso é atraído por sua imagem, mas ao mesmo tempo ele não a reconhece como sua. É como o bebê que “descobre” sua própria mão e a enxerga como um objeto fascinante, porque é, ao mesmo tempo, próprio e outro. Na narrativa do mito, há a ninfa Eco, uma personagem real realmente apaixonada por Narciso que é condenada a cumprir a função de refletir a voz, em ser escutada propriamente, nas cavernas.

O problema não é o fato de Narciso estar apaixonado por si e se isolar em um espaço individualista, mas sim que ele necessita desesperadamente de outros indivíduos para receber e confirmar sua própria imagem atraente de fascinação. Ora, o enigma representado por sua própria imagem é fascinante porque é por meio dele que o sujeito investiga e descobre as condições pelas quais ele um dia foi amado ou os traços pelos quais voltará a ser amado.

É por essa razão que o narcisismo é um sistema instável, pois necessita de constantes reposições que jamais podem de fato responder a pergunta que o narcisista faz por estar alienada ao desejo do outro. Alienado nesse caso refere-se ao desconhecido, remetido ao exterior e estranhado. Podemos agora distinguir o exibicionismo-voyeurismo, como prazer do ver e ser visto, do sistema de quatro termos (eu, minha imagem, o outro e a imagem que eu acredito produzir para este Outro), que regula nossa economia amorosa.

Muito se critica as redes sociais e os demais recursos que a nova vida digital nos faculta, porque eles seriam venenosos para nosso exibicionismo pulsional, estimulando ainda a velocidade e a urgência de nossa reposição narcísica. De fato os recursos digitais permitem que segmentemos nossas experiências selecionando “ângulos” muito específicos pelos quais queremos ser reconhecidos. E podemos nos consagrar longamente na arte de recortar e recompor novos selfies e novas versões de nós mesmos, cada vez mais apuradas por padrões de montagem, de cosmetologia imaginária, capazes de estabelecer uma corrida e uma competição voraz por curtidas ou cliques.

Mas exatamente como isso acontece?

Notemos que a relação entre o prazer de ver-ser visto (exibicionismo) e o sistema de reconhecimento amoroso (narcisismo) não é direta e natural. Há várias formas de amar e ser amado, assim como há inúmeras maneiras de fazer o olhar entrar em uma relação erótica, maneiras que vão do pornográfico, do tudo-mostrar, ao recato da ocultação calculada do olhar. O que liga os dois problemas é o que a psicanálise chama de identificação. E uma identificação, como dizia Lacan, é a transformação que acontece no sujeito toda vez que ele assume uma imagem.

Estamos povoados de imagens, cada vez mais férteis e interessantes, mas diante de quantas delas estamos em posição de dizer: “eu sou isso”. Na maior parte do tempo estamos deslizando de uma imagem para outra, ou nos esforçando para manipular a imagem que os outros fazem de nós, justamente para escapar deste terrível “você é isso”. Preferimos, ao contrário, a efemeridade do “estou, neste momento, sendo isso”, mas quero garantir para mim mesmo e para os que me cercam que amanhã, ou digamos, daqui a duas horas, posso ser outra coisa. Basta mudar meu perfil.

O direito a transformar minha imagem, ou seja, o direito a criar novas identificações, torna-se um direito extremamente perigoso quando distribuído farta e amplamente. Perigoso porque existe uma segunda maneira de ligar exibicionismo e narcisismo. Uma maneira que não exclui a identificação, mas que é uma identificação imposta pelo supereu. Ou seja, a liberdade de nos transformarmos e a efemeridade da experiência de ser-sendo, passa rapidamente à coerção e transformar-se.

Aqui chegamos a entender porque as gramáticas de reconhecimento tendem a uma espécie de autoexaustão, como o falecido Orkut e o atual Facebook. A obrigação de ser outro cansa. Lembremos que o livro de Ovídio que descreveu o mito de Narciso chamava-se justamente Transformações (Metamorfose). Mas quando todo mundo precisa ser novo, quando os outros são reconhecidos como pessoas que estão fazendo exatamente a mesma coisa que você para serem reconhecidos, inicia-se uma corrida pela quantidade que em algum momento exigirá uma mudança de qualidade.

Depois de injetar 20 litros de silicone ou de tatuar 90% de seu corpo, podemos ser assediados pelo cansaço e pelo desejo de encontrar uma nova diferença. Não apenas uma diferença que nos equalize e permita comparações, mas uma diferença que faça realmente diferença. Uma diferença diferente. O primeiro sinal de que isso está acontecendo é o que chamei de cansaço do exibicionista. Neste momento é comum que nos revoltemos contra o próprio imperativo de reconhecimento, contra a existência da máquina, em vez de nos voltarmos para nossa própria tentação de por meio dela nos iludirmos com um heroísmo além de nossas posses narcísicas.

É como aquele autor que publica seus livros, mas porque não é lido por ninguém revolta-se contra o sistema das editoras. Brigar contra a lei do reconhecimento é o caminho mais curto para o curto circuito narcísico conhecido como depressão. Em geral fazemos isso para querer nos afastar do trabalho que nos dá discernir como e por quem queremos ser realmente reconhecidos, bem como do trabalho e do risco que o desejo sempre traz neste contexto. O problema todo é como passar do desejo de reconhecimento (narcísico) para o reconhecimento do desejo, por si, com o outro e entre outros.

Espero que a distinção que apresentei entre narcisismo, exibicionismo e identificação permita entender que as redes sociais jamais deveriam ser entendidas como um instrumento de mão única e de uso compulsoriamente semelhante para todos. Há pessoas que usam ferramentas como o Instagram como um palco, outras que o tomam como uma cama para sustentar suas práticas eróticas (ótimo também, por que não?). Mas há também aqueles que fazem dele uma espécie de livro, de repositório biográfico ou epistolar, muito mais interessadas em escrever e criar novas possibilidades produtivas de si do que comparar cliques ou manter a pirotécnica da felicidade. Esta cansa, e pior, cansa cada vez mais rápido.

http://namu.com.br/artigos/facebook-e-o-exibicionismo-digital

Comentários